EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA E A CRISE MUNDIAL
Ronaldo Mota
Ronaldo Mota
Resumo
A educação superior brasileira demanda análises que contemplem suas principais características, especialmente sua rica diversidade, percebida esta enquanto elemento altamente positivo, particularmente em momentos de crise.
A educação superior brasileira demanda análises que contemplem suas principais características, especialmente sua rica diversidade, percebida esta enquanto elemento altamente positivo, particularmente em momentos de crise.
Neste texto alguns elementos são esboçados procurando entender a complexidade do tema no contexto da atual crise financeira, estabelecendo conexões com o que está mudando no mundo, na educação como um todo e no ensino superior separadamente.
Dados estatísticos recentes do sistema de ensino superior e levantamentos do perfil sócio-econômico dos estudantes são aqui apresentados e discutidos em caráter preliminar.
A partir de possíveis cenários decorrentes da crise, enfatiza-se a necessidade de repensar todas as áreas da educação superior, apresentando abordagens inovadoras e instrumentos de estímulo à utilização de novas metodologias.
A andragogia é apresentada como um enfoque que leva em conta o perfil predominantemente adulto de um público diferente do tradicional que tende a procurar cada vez mais o ensino superior e que anseia por ver atendidas suas características específicas, demandando novas metodologias e abordagens didáticas diferenciadas associadas a processos de ensino-aprendizagem próprios.
Essas metodologias, abordagens e enfoques, que caracterizam a andragogia, muitas vezes são apresentados em contraposição aos métodos pedagógicos tradicionais, centrados essencialmente nas crianças e nos jovens, por vezes minimizando a exploração da capacidade auto-instrutiva.
Trata-se de uma possível alternativa, num contexto de muitas variáveis, na busca pela formação apropriada de futuros profissionais, preparados para desafios, através de enfoques compatíveis com as necessidades atuais de formação ao longo da vida, compondo um universo de educação permanente.
Introdução
A educação superior e suas instituições de ensino se caracterizam, sobretudo, por serem complexas e diversificadas. Qualquer simplificação, ainda que tentadora, rapidamente caminha em direção a caricaturas e equívocos conseqüentes.
Assim, evitando tais armadilhas bastante comuns, é possível traçar cenários com as principais (não todas) características do ensino superior brasileiro e analisar, ainda que tangencialmente, os possíveis desdobramentos para o setor da atual crise econômica mundial.
Da mesma forma, há que se entender a crise atual como um processo de oportunidades, onde tendências se acentuam e mudanças positivas, que naturalmente estavam em curso, agora são prementes.
A crise financeira em curso pode engendrar ou não uma crise econômica global, com maior ou menor relevância, durando um tempo mais breve ou mais duradouro. São perguntas com respostas indefinidas, contendo elementos com pouca previsibilidade ainda. No entanto, ninguém dúvida que, em algum nível, altera nosso cenário próximo e impõe a obrigação de repensar todas as áreas de atuação, entre elas, a educação, e em especial a educação superior.
Todas as instituições de ensino superior podem ser imediatamente afetadas. Tanto as públicas por novos arranjos nos orçamentos, que demandam ações das áreas de planejamento público, bem como as do setor privado, à medida que restrições de crédito e alterações de perfis das camadas sociais de sua clientela são elementos que impactam nas suas perspectivas para os anos vindouros.
Distante da pretensão de tratar na sua total complexidade o tema, aqui se busca tão somente ressaltar alguns elementos educacionais envolvidos, apresentar cenários em caráter preliminar, sem a ousadia de imaginar que todas as variáveis, que são muitas, estão aqui contidas.
Para facilitar a compreensão, breves estatísticas divulgadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas – INEP [1], do sistema de ensino superior e do perfil sócio-econômico dos estudantes são aqui apresentados. A ênfase adotada foi no sentido de conter principalmente os elementos mais básicos que propiciassem facilitar a compreensão dos temas específicos a serem abordados posteriormente.
Conforme será exposto, uma das respostas para enfrentar os desafios vindouros é a necessidade de abordagens andragógicas [2], entendidas como estímulo às novas metodologias e a busca por abordagens inovadoras baseadas em enfoques compatíveis com as necessidades atuais de formação ao longo da vida, num universo de educação permanente apropriado a futuros profissionais em condições de enfrentar desafios que, definitivamente, atuarão num mundo e se depararão com problemas cujas marcas temos muita dificuldade em antever com clareza.
Um breve cenário estatístico
De acordo com o Censo INEP/2007 [2], coleta envolvendo 2.281 instituições, é registrado que, quanto à categoria administrativa, do total de instituições pesquisadas, 2.032 (correspondendo a 89%) são do setor privado e 249 (11%) são de natureza pública. No setor privado, mais de três quartos são particulares e as demais (em torno de ¼) são comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Nas públicas, 106 são federais, 82 são estaduais e 60 municipais.
Esses números, ainda que de 2007, representam com muito pequenas flutuações a realidade atual de início de 2009, dado que o incremento de novas instituições tem sido bastante raro nos últimos dois anos. A título de exemplo, em 2006 eram 1973 faculdades e em 2007 registraram-se 1978 faculdades, um crescimento de 0,3%, taxa de crescimento em torno de 56 vezes menor do em 2003 (15,5% naquele ano).
Quanto à organização acadêmica, 183 (menos de 8%) são universidades. Nas privadas pouco mais de 4% são universidades, refletindo uma expressiva maioria, ou seja, mais de 95%, são faculdades, faculdades integradas ou centros universitários. Diferentemente, as universidades no setor público têm peso maior, correspondendo a aproximadamente 37%. Assim, do total de universidades, 52,5% são de natureza pública e 47,5% são privadas, enquanto dos centros 96,7% e 92.5% das faculdades são privadas.
São 23.488 cursos de graduação presencial, 3.702 de educação tecnológica e 408 na modalidade educação a distância. O número de cursos de graduação decresceu nas públicas estaduais e cresceu nas públicas federais e no setor privado. Quanto à modalidade educação a distância destacável observar o crescimento no ano de 52 cursos em 2006 para 105 (mais do que o dobro) em 2007.
O número total de matrículas resultou 5.250.147, sendo 4.880.381 na graduação presencial, 369.766 em graduação a distância e 347.857 em graduação tecnológica. Em especial, o crescimento destacável na modalidade a distância reflete as políticas aplicadas com sucesso nos anos anteriores. A modalidade a distância que representava 1% das matrículas em 2004, agora já são expressivos 7% e crescendo em passos acelerados.
Dos 4.880.381 estudantes presenciais, 1.240.968 estudam em instituições públicas (615.542 em federais, 482.814 em estaduais e 142.612 em municipais) e 3.639.413 em instituições privadas, correspondendo a respectivamente a 25,4% e 74,6%. Quanto à organização acadêmica, do total de estudantes, 2.644.187 (54%) estudam em universidades, 680.938 (14%) em centros universitários e 1.555.256 (32%) em faculdades.
No que diz respeito à distribuição regional das instituições, há forte dominância no sul (mais de 48%), seguido por duas regiões (nordeste com 18% e sul com 17%), do centro-oeste (11%) e norte (6%).
Quanto ao tamanho das instituições, a predominância absoluta (mais de 67%) é de escolas com menos de 1.000 estudantes, sendo que em torno de 14% têm entre 1.001 e 2.000, pouco mais de 9% com entre 2001 e 5.000 e somente 9,5% são instituições com mais de 5.000 estudantes.
Interessante observar que os cursos de Administração, Direito e Pedagogia, isoladamente, correspondem a aproximadamente 1/3 do total de matrículas As áreas de ciências sociais aplicadas somadas às de educação detêm em torno de 60% das matrículas. Esses dados, tal qual a jabuticaba, retratam realidades brasileiras sem paralelo em nenhum outro país.
Em termos de matrículas globais na graduação, envolvendo as duas modalidades, a taxa de escolaridade bruta (% de matrículas comparadas com a população jovem entre 18 a 24 anos) ultrapassou 20%, sendo a taxa líquida (considerando somente matrículas de jovens) ficou em pouco mais de 12%. Ainda que em crescimento significativo, será difícil cumprir a meta prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) de ao final desta década termos um percentual de 30% na taxa líquida. Da mesma forma, muito difícil cumprir a meta do PNE de atingirmos 40% de matrículas nas instituições públicas até o final da década.
Uma interessante observação desses números é que mais de 40% de nossos estudantes universitários têm 25 anos ou mais. Tal percentual está crescendo, sendo que na taxa atual finalizaremos esta década com a maioria de nossos estudantes universitários com 25 anos ou mais, sendo que isso já é realidade hoje no setor privado.
Quanto às matrículas na graduação presencial, o ritmo de crescimento é decrescente, o que pode ser observado pelo seguinte compotamento nos últimos anos: 2003, 12%, 2004 e 2005, 7%, 2006, 5%, e 2007, 2,3%).
Observar também que em termos de graduação presencial nas públicas, especialmente nas universidades federais, o Programa REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) pode alterar esse quadro no futuro, mas o período coletado não consegue ainda captar completamente tal alteração. Já pode-se, no entanto, observar esta tendência pelo dado que o número de estudantes das universidades federais cresceu 4,4%, o maior crescimento desde 2003. A tendência é de crescimentos expressivos nos próximos anos, seja pelo REUNI ou através da UAB.
Interessante observar que embora, como citado antes, predominem as instituições pequenas (menos de 1.000 estudantes), as universidades respondem por mais de 53% das matrículas, faculdades e faculdades integradas por 31% e centros universitários por quase 16%.
Das matrículas, 61% aproximadamente são em cursos noturnos, sendo que nas privadas esse percentual é de mais de 69%, sendo que, diferentemente, nas públicas a dominância (63%) é de matrículas no período diurno.
Quanto ao gênero de nossos estudantes, 56% são mulheres e 44% do sexo masculino. Tal dominância, progressivamente, esta se reproduzindo também nos demais níveis de ensino, mestrado e doutorado.
Quanto à localização geográfica, capital ou interior, as instituições públicas federais têm suas matrículas predominantemente nas capitais (relação quase dois por um), enquanto as públicas estaduais mostram o oposto, predominantemente interior (três por um). Novamente, a expansão REUNI poderá alterar esse quadro nas universidades federais, privilegiando o interior. No setor privado, enquanto as comunitárias, confessionais e filantrópicas têm dominância no interior (1,5 por 1), as particulares são bastante equilibradas entre capital e interior.
No que se refere à qualificação do corpo docente, constituído por mais de 70 mil professores do ensino superior, no setor privado somente 12% têm doutorado, 40% têm mestrado e quase metade (48%) não apresentam mestrado e doutorado. Diferentemente, no setor público 42% do corpo docente é formado de doutores, 29% de mestres e 29% não têm mestrado ou doutorado.
Quanto ao gênero, entre os docentes quase se invertem os percentuais observados entre os estudantes (55,5% são masculinos e 44,5% feminino).
Quanto ao perfil geral dos estudantes de graduação, nas duas modalidades, com relação aos Exames Nacionais de Desempenho Acadêmico (ENADEs) 2005-2006, observa-se que em sete das treze áreas avaliadas os concluintes da modalidade a distância saíram-se melhor do que seus colegas do ensino presencial.
Quanto ao desempenho dos ingressantes, em todas as áreas em que esta comparação pôde ser feita, o desempenho dos acadêmicos na modalidade a distância, para surpresa de muitos, resultou superior.
Dados do questionário sócio-econômico preenchido pelos estudantes realizando os ENADEs 2005-2006 mostram que uma importante modificação acerca dos meios de comunicação preferidos pelos concluintes. Enquanto a internet em 2002 era a opção de menos de 10%, em 2006 assim responderam 42%. Nesse ritmo, não resta dúvida que encerraremos a década tendo a internet como principal meio de informação. No sentido oposto, enquanto em 2002 a TV respondia por mais de 69% da predileção, esse meio de comunicação se reduziu a menos de 39% da preferência dos concluintes de 2006. São alterações rápidas e significativas.
Quanto às diferenças entre os perfis sócio-econômicos dos discentes das duas modalidades, as respostas demonstram ser muito marcantes. Enquanto 52% dos estudantes a distância são casados, somente 19% dos presenciais assim responderam. Mais de 44% do corpo discente da modalidade a distância têm dois filhos ou mais contra somente 11% na presencial. Enquanto 49% se auto-declararam brancos na distância, 68% o fizeram na presencial. Em torno de 61% dos estudantes da distância moram com esposa e filhos, contrastando com 23% da presencial.
Com renda até três salários mínimos contempla 43% dos discentes a distância versus 26% na presencial. O oposto se observa para rendas acima de dez salários mínimos, sendo somente 13% na distância contra 25% na presencial. Trabalhando e sendo o principal sustentáculo da família representa 2% na distância contra 7% na presencial. Trabalha ou trabalhou em tempo integra correspondem a 65% na distância e 45% na presencial.
Quanto à escolaridade dos pais, somente 18% dos estudantes da distância têm cursos médio completo ou superior, sendo que este percentual sobe para 51% na presencial. No que diz respeito a ter realizado o ensino médio em escola privada, na distância são 15%, sendo mais do que o dobro (33%) na presencial.
Curiosamente, 28% dos estudantes da modalidade a distância afirmam ter como leitura predileta livros de auto-ajuda, contra menos da metade (13%) dos estudantes da presencial terem feito tal opção. Sem entrar no mérito específico, por certo, isso reflete distintas realidades e diversas preocupações. Na leitura de jornais, enquanto os estudantes a distância tendem mais para assuntos de política ou economia, os presenciais optam mais por cultura, arte e esportes.
Um dado observável acerca de metodologia de ensino é que mais de 50% dos estudantes a distância afirmaram que os planos de ensino contêm os elementos essenciais, enquanto menos de 17% dos presenciais assim responderam.
Os tempos de crise
Como afirmado anteriormente, a crise financeira em curso pode gerar ou não uma crise econômica global, com maior ou menor relevância, incidindo sobre o sistema por tempo breve ou duradouro.
Para esboçar compreender os reflexos da crise é preciso perceber o que está mudando na Educação como um todo. Assim, é fato que o tema Educação na sociedade brasileira assume, nos tempos atuais, a centralidade merecida. Não há crise que mude esta definição, mas as características com que essa prioridade se dá podem ter sim nuances importantes.
Por exemplo, há que se notar que o principal público que nos últimos anos estava, de forma diferenciada, começando a procurar com mais intensidade o ensino superior era aquele proveniente das classes C e D. Isso era verdadeiro tanto no setor público em expansão, notadamente as universidades federais, como no setor privado.
Entender como a crise implicará em novos contornos não é tarefa simples, ainda que necessária. Dois elementos são cruciais: 1.possível aumento do desemprego e maior competitividade pelos postos de trabalho, bem como alterações do mundo do trabalho e 2. necessidade de agregar mais tecnologias em todos os processos, inclusive educacionais.
Acerca do primeiro não há elementos disponíveis para uma previsão segura se ocorrerá e qual a intensidade de maior desemprego no Brasil, mas é certo que o ritmo de exigência de qualificação de mão de obra será intensificado, fazendo com que os que já estão trabalhando enxerguem, cada vez mais, na Educação o principal instrumento de manutenção ou obtenção de espaços no mundo do trabalho.
Por sinal, aqui não referimo-nos a necessariamente trabalho na forma de emprego tradicional, dado que uma mudança crucial em curso é exatamente no perfil de oportunidades. Cada vez menos empregos formais tradicionais e marcantemente mais dominância de iniciativas empreendedoras em espaços não convencionais ou previsíveis a priori.
Sobre o segundo elemento crucial, incorporação de tecnologias inovadoras, a crise atual só fará acelerar ainda mais a competitividade em todos os setores, especialmente na formação de recursos humanos, por agregar novos conteúdos tecnológicos. Qualquer hesitação, mais do que nunca, terá como conseqüência a exclusão, seja em termos do mercado nacional como internacional. Vale para quem forma pessoas, aplicando-se igualmente para quem contrata ou para quem se forma e busca, de forma autônoma e empreendedora, seus espaços na sociedade atual.
A partir desses ingredientes, novos perfis dos futuros profissionais, demandando novas metodologias e processos formativos, e a necessidade da incorporação de tecnologias inovadoras no campo do ensino superior, é que apresentamos a seguir algumas considerações.
A primeira novidade característica a ser observada na Educação nos tempos atuais é sua transcendência, no tempo e no espaço, exigindo repensar profundamente as formas com que ensinamos e as maneiras pelas quais aprendemos.
Surpreendente, como mostrado antes, que mais do que 40% de nossos estudantes universitários tenham mais de 25 anos, sendo que a maioria deles tem emprego, são casados, tem filhos e são oriundos de famílias de classe média, predominantemente baixa. Além disso, seus históricos escolares mostram que, muitas vezes, retornaram à vida escolar após interrupções e, normalmente, fazem cursos noturnos. Perfil bem distinto do caso clássico de antigamente, ou seja, jovem (18-24 anos), solteiro, sem necessidade de trabalhar enquanto estuda, sendo, em geral, oriundo das classes média ou média alta, recém-egresso do ensino médio e, como regra, estudando durante o dia.
Enfim, o estudante que chega à universidade, cada vez mais, não é somente aquele jovem, quase adolescente, que recentemente completou o ensino médio e quase precocemente definiu por esta ou aquela futura profissão. Majoritariamente teremos pessoas do mundo trabalho que largaram a escola há anos, casaram-se, tiveram filhos, e perceberam que as possibilidades de sucesso, em todas as dimensões desta palavra, estão associadas aos estudos permanentes. Tal maturidade também pode e está presente nos jovens, mas os adultos demandam mais das novas metodologias de ensino do que costuma estar presente nas tradicionais pedagogias.
Observar que, conforme expresso antes, mantido o ritmo atual, cruzaremos a próxima década com o primeiro perfil significativamente majoritário, muito embora boa parcela de nossas práticas e métodos de ensino-aprendizagem ainda suponha que dirigimo-nos predominantemente ao segundo caso.
O perfil adulto desse novo público, com suas características específicas, demanda naturalmente novas metodologias, abordagens didáticas diferenciadas que levem em conta processos ensino-aprendizagem próprios da andragogia que reconhece o andros (homem, em geral, no caso significando adulto, em grego), em contraposição aos métodos pedagógicos e a paidós (criança, em grego).
Uma das características principais das metodologias andragógicas é que nelas procura-se substituir o perfil do aluno tradicional pelo novo estudante. Enquanto o denominado bom aluno de antigamente estuda, especialmente, depois que o professor ensina em sala de aula (típico do ideal pedagógico), na andragogia esse modelo dá espaço a uma nova concepção, espacial e temporal, de estudante fortemente induzido a preparar-se para uma nova dinâmica de sala de aula.
Na abordagem inovadora, dos estudantes é exigido um preparo anterior à ocorrência dos momentos presenciais em sala de aula. Para tanto, além de outras inovações decorrentes, faz-se necessário que material didático seja disponibilizado de forma apropriada e nos momentos adequados.
Nesse novo contexto, a aula expositiva muda de característica, devendo o professor saber que fala para iniciados, priorizando reforço de conceitos já preliminarmente assimilados, promovendo atividades laboratoriais/experimentais, desafiando os estudantes para um debate mais profundo e participativo. Enfim, uma nova dinâmica de aula que exige muito mais docente, alterando seu papel, enaltecendo muito mais a figura do mestre.
Observar que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei de 1996, fruto de debates nos anos anteriores, expressa em um de seus artigos o incentivo ao desenvolvimento e a veiculação (como está redigido) de programas de ensino a distância em todos os níveis. A realidade atual é muito distinta de uma década e meia atrás, sendo que a divisão abrupta entre ensino presencial e a distância é hoje mais um mito do que realidade.
Sem prejuízo das peculiaridades da educação a distância, a verdade é que, ao longo do tempo, a modalidade presencial incorporou muitas das ferramentas típicas da modalidade a distância. Bem como, quando aplicada a determinados casos específicos, em geral curso de graduação, a modalidade a distância, sem incorrer no erro de modelo único, consolidou nos casos apropriados a necessidade de encontros presenciais periódicos em pólos de apoio presencial aparelhados com laboratórios didáticos, presença permanente de orientadores acadêmicos locais etc.
De fato, caminhamos, em passos largos, em direção a uma educação flexível, onde as boas características de ambas as modalidades poderão ser contempladas simultaneamente e de forma, muitas vezes, complementar. Assim, será facultado ao estudante, centro deste processo, optar a cada momento pelas características que lhe parecerem mais convenientes, seja numa disciplina, que conterá ferramentas de ambas, ou num curso composto de várias disciplinas, sendo que parte delas poderá, alternadamente, ter dominância presencial ou a distância.
Insisto sem prejuízo de determinadas disciplinas ou cursos manterem-se fiéis às peculiaridades estritas de cada modalidade, se assim convier. Importante nunca perder o foco nas necessidades dos estudantes e nas características almejadas de determinados profissionais. É o que importa, o restante são dissensos e preconceitos, de ambas as partes, que a história somente registrará, sem conseqüências.
Ensinar não ficou mais simples, ficou mais complexo, nem por isso menos desafiador ou estimulante. Não se trata de escolha, mas de reconhecer quem somos afinal, a quem nos dirigimos e o que, para o que e para quando pretendemos formar.
Fazem parte do passado as apoteóticas formaturas (ainda que elas ainda existam, são definitivamente ritos do passado) que encerravam ciclos escolares bem definidos e os alunos transformando-se, da noite para o dia, em formandos preparados para ingressar no mundo do trabalho. A realidade atual evidencia que o profissional terá que realizar ciclos infindos de permanentes formaturas, comandados pelas necessidades de seus campos específicos de atuação (sejam empregos tradicionais ou não), bem como para satisfazer suas complexas ambições e desejos pessoais com novos e desafiadores não-limites.
Por exemplo, até mesmo o mais tradicional ensino tecnológico profissionalizante depara-se atualmente com surpreendentes demandas cujas complexidades transcendem habilidades simples e mecânicas, exigindo desde formação propedêutica clássica combinada com a preparação específica vocacional. Tudo isso conjugado simultaneamente com a preparação para desafios imprevisíveis. As tarefas não foram substituídas, foram redimensionadas, sendo que os desafios e exigências anteriores permanecem, tendo sido acrescidos e alterados. Um novo profissional para um mundo mais complexo e menos previsível e mais exigente.
Se houve um tempo que formar um engenheiro significava basicamente transmitir um conhecimento razoavelmente consolidado, baseado em um conjunto de técnicas e procedimentos, acrescido de um saber básico conceitual fundamental, a realidade atual não dispensa as exigências anteriores, mas acresce preparar para o indizível, o que não pode ser previsto. A preparação para desafios extraordinários não tem receita pronta, mas certamente a prática para enfrentar o que não se sabe ainda está fortemente associada a ter sido exposto a situações inovadoras e desafiantes ao longo dos estudos.
Nas décadas anteriores a formação em graduação nas diversas carreiras do ensino superior consistia basicamente em dotar os futuros formandos de um conjunto razoavelmente bem definido de conhecimentos específicos próprios de cada profissão. Tais conhecimentos contemplavam uma série de técnicas, métodos, procedimentos e uma formação geral associada a elementos específicos de cada área. Como regra, esses profissionais assim preparados enfrentavam, com relativo sucesso, uns mais outros menos, os desafios de um mundo do trabalho em algum nível previsível e programável.
Além disso, na visão anterior, priorizava-se o desempenho individual, nas abordagens contemporâneas o trabalho em grupo ocupa espaço preferencial, estimulando trabalhar em equipe e o desenvolvimento coletivo. Nos dois casos não deve haver simetria entre professor e estudante. Só que no tradicional, o professor reduz-se à transmissão e cobrança de um conhecimento limitado; no segundo, a dimensão do mestre se dá na seleção dos melhores conteúdos e no encaminhamento de um processo formativo capaz de preparar futuros profissionais aptos a repetirem tais procedimentos, bem como imaginar novos, em quaisquer circunstâncias, quando assim forem exigidos no trato de conhecimentos em expansão acelerada e acessível ilimitadamente.
A andragogia [4] tem obrigatoriamente tal percepção, sem o que não cumpre os postulados básicos que lhe deram origem. Andragogia, de fato, não se aplicaria apenas à educação de adultos, mas a todos os processos educacionais que envolvem o estímulo ao auto-aprendizado conjugado com os métodos ditos mais tradicionais. Seria inaceitável se os métodos de ensino-aprendizagem continuassem replicando as metodologias do ensino básico, as quais mesmo para aquele nível são questionáveis.
Uma característica da abordagem andragógica é que se faz uso intensivo da facilitação da aprendizagem decorrente de características comportamentais próprias do aprendiz mais maduro, seja no que concerne a identificar suas necessidades ou no conjunto de objetivos específicos.
Em suma, se já era verdadeiro que o início deste novo milênio apresenta uma dinâmica acentuada, mudanças impressionantes em prazos muito curtos, com fortes impactos no mundo do trabalho, demandando um repensar urgente e profundo na concepção do que significa formar alguém para o mundo contemporâneo, a atual crise pode acelerar ainda mais tal necessidade.
A área de formação de recursos humanos é, entre todas, a mais atingida por tais alterações. Mesmo assim, na prática, as mudanças ainda que já presentes em nosso cenário educacional, têm sido ainda tímidas, incipientes, localizadas e demoradas, em especial nos processos típicos de ensino-aprendizagem.
Se pudéssemos denominar, genericamente, aquelas técnicas e procedimentos, próprios das diversas carreiras, de ofícios, diríamos que o mundo contemporâneo permanece exigindo aqueles conhecimentos com o desafio de exigir muito mais. Nem exclui aqueles saberes tradicionais, mas complementa, demandando muito mais e diferente.
Esse universo adicional refere-se a uma dimensão da educação permanente, de um aprender continuado, onde a consciência dessa característica e o estímulo à capacidade do aprender a aprender [5] aproximassem mais de elementos do universo das artes do que propriamente dos ofícios. Trata-se de preparar para o inédito, de dotar alguém do potencial para enfrentar problemas e tecnologias que não conhecemos, desafios que terminantemente não somos capazes de prever.
Com criatividade e posturas diferenciadas. Assim o novo, que demanda ser feito, está mais para preparar o artista do futuro, que também contemple o profissional tradicional de antigamente.
Ao contrário dos velhos ofícios, na visão das artes e dos ofícios integrados e conjugados não há receitas, há sim elementos motivadores, como, por exemplo, modificar o conceito de bom estudante. Na visão primeira, o bom aluno referia-se àquele capaz de, a partir do que foi ministrado em aula pelo professor, estudar em casa, e preparar-se para demonstrar esse conhecimento posteriormente. No segundo enfoque, a partir de disponibilizado com antecedência o material referente ao conteúdo, os momentos das aulas assumem outra dimensão, propiciando aprofundamento dos temas em uma dinâmica bastante distinta do copiar para estudar depois, refletindo sim o estudado antes para aprofundar durante.
O espaço de aprendizagem tipicamente delimitado pela escola espalha-se pelo não-espaço que contempla o ambiente doméstico, incluindo o do trabalho e o caminho de um para outro. De fato, estamos diante de um novo paradigma espaço-temporal, sem limites de qualquer natureza, nem no tempo como no espaço. Assim, sem prejuízo das especificidades do ambiente escolar, o ensino rompe barreiras e não aceita fronteiras, incorporando todos os possíveis e imagináveis nichos e a todos podemos proclamar espaços e tempos de aprendizagem.
O universo da andragogia, da educação permanente ao longo da vida, a inundação da aprendizagem ocupando a todos os possíveis espaços e a concepção de que todos seremos estudantes para sempre estão em perfeita coerência com a predição de Albert Einstein que um dia ousou definir que Educação é aquilo que fica quando esquecemos o que nos foi ensinado.
Ref.:
[1] http://www.inep.gov.br
[2] http://teiaeducacional.blogspot.com
[3] Ronaldo Mota. A Universidade Aberta do Brasil in Educação a Distância, O Estado da Arte, Org. F. M. Litto e M. Formiga, Cap. 40: 290-296, Pearson Prentice Hall, São Paulo, 2008;R. Mota e H. Chaves Filho. Educação transformadora e Inclusiva. Inclusão Social (IBICT), Brasília: ED. IBICT, 2005, v.1, n.1, p. 47; H. Chaves Filho e A. C. Dias, A gênese sócio-histórica da idéia de interação e interatividade. In: SANTOS, G. L. Tecnologias na educação e formação de professores. Brasília: Plano, 2003. p. 31-48;E. P. Nascimento, O fenômeno da exclusão social no Brasil. INED, n. 3, 1996.
[4] Nottingham Andragogy Group: v). Towards a Developmental Theory of Andragogy, Nottingham: University of Nottingham Department of Adult Education. 48 pages, 1983; Davenport. 'Is there any way out of the andragogy mess?' em M. Thorpe, R. Edwards and A. Hanson (eds.) Culture and Processes of Adult Learning, London1993; M. Knowles (1984). The Adult Learner: A Neglected Species (3rd Ed.). Houston, TX: Gulf Publishing; San James Fisher and Ronald Podeschi. "From Lindeman to Knowles: A Change in Vision", International Journal of Lifelong Education 8:4, pgs 345-53 (Oct-Dec 1989); M. Knowles, M. The Modern Practice of Adult Education. From pedagogy to andragogy (2nd edn). Englewood Cliffs: Prentice Hall/Cambridge. 400 pgs, 1980; M. Knowles et al. Andragogy in Action. Applying modern principles of adult education, San Francisco: Jossey Bass, 1984; Boud, D. et al. Reflection. Turning experience into learning, London: Kogan Page.; Cross, K. P. (1981) Adults as Learners, 1985; A. Hanson. 'The search for separate theories of adult learning: does anyone really need andragogy?' in Edwards, R., Hanson, A., and Raggatt, P. (eds.) Boundaries of Adult Learning. Adult Learners, Education and Training Vol. 1, 1996; B. Humphries. 'Adult learning in social work education: towards liberation or domestication'. Critical Social Policy No. 23 pp.4-21, 1988; J. R. Kidd. How Adults Learn (3rd. edn.), Englewood Cliffs, N.J.:Prentice Hall Regents, 1978; H. M. Kliebart. The Struggle for the American Curriculum 1893-1958, New York: Routledge, 1987; Joseph and Judith Davenport, "Knowles or Lindeman: Would the Real Father of American Andragogy Please Stand Up," Lifelong Learning. 9:3, pgs 4-5 (November 1985); M. Tennant. Psychology and Adult Learning, London: Routledge, 1988; S. D. Brookfield. Understanding and Facilitating Adult Learning. A comprehensive analysis of principles and effective practice, Milton Keynes: Open University Press, 1986; Mark Tennant. "An Evaluation of Knowles's Theory of Adult Learning," International Journal of Lifelong Education. 5:2, pgs 113-122, 1996; P. Jarvis. 'Malcolm Knowles' em P. Jarvis (ed.) Twentieth Century Thinkers in Adult Education, London: Croom Helm, 1987; P. Jarvis. The Sociology of Adult and Continuing Education, Beckenham: Croom Helm, 1985;
[5] Fred S. Keller. Goodbye, teacher ... J. of Applied Behavioral Analysis, 1(1):79-89, Spring 1968; J. Gilmour Sherman and Robert S. Ruskin. The Personalized System of Instruction. Educational Technology Publications, Englewood Cliffs, NJ, 1978. Vol. 13 in The Instructional Design Library, series ed. Danny G. Langdon; J. Gilmour Sherman, Robert S. Ruskin, and George B. Semb, editors. The Personalized System of Instruction: 48 seminal papers. TRI Publications, Lawrence, Kansas, 1982.
No que se refere à qualificação do corpo docente, constituído por mais de 70 mil professores do ensino superior, no setor privado somente 12% têm doutorado, 40% têm mestrado e quase metade (48%) não apresentam mestrado e doutorado. Diferentemente, no setor público 42% do corpo docente é formado de doutores, 29% de mestres e 29% não têm mestrado ou doutorado.
Quanto ao gênero, entre os docentes quase se invertem os percentuais observados entre os estudantes (55,5% são masculinos e 44,5% feminino).
Quanto ao perfil geral dos estudantes de graduação, nas duas modalidades, com relação aos Exames Nacionais de Desempenho Acadêmico (ENADEs) 2005-2006, observa-se que em sete das treze áreas avaliadas os concluintes da modalidade a distância saíram-se melhor do que seus colegas do ensino presencial.
Quanto ao desempenho dos ingressantes, em todas as áreas em que esta comparação pôde ser feita, o desempenho dos acadêmicos na modalidade a distância, para surpresa de muitos, resultou superior.
Dados do questionário sócio-econômico preenchido pelos estudantes realizando os ENADEs 2005-2006 mostram que uma importante modificação acerca dos meios de comunicação preferidos pelos concluintes. Enquanto a internet em 2002 era a opção de menos de 10%, em 2006 assim responderam 42%. Nesse ritmo, não resta dúvida que encerraremos a década tendo a internet como principal meio de informação. No sentido oposto, enquanto em 2002 a TV respondia por mais de 69% da predileção, esse meio de comunicação se reduziu a menos de 39% da preferência dos concluintes de 2006. São alterações rápidas e significativas.
Quanto às diferenças entre os perfis sócio-econômicos dos discentes das duas modalidades, as respostas demonstram ser muito marcantes. Enquanto 52% dos estudantes a distância são casados, somente 19% dos presenciais assim responderam. Mais de 44% do corpo discente da modalidade a distância têm dois filhos ou mais contra somente 11% na presencial. Enquanto 49% se auto-declararam brancos na distância, 68% o fizeram na presencial. Em torno de 61% dos estudantes da distância moram com esposa e filhos, contrastando com 23% da presencial.
Com renda até três salários mínimos contempla 43% dos discentes a distância versus 26% na presencial. O oposto se observa para rendas acima de dez salários mínimos, sendo somente 13% na distância contra 25% na presencial. Trabalhando e sendo o principal sustentáculo da família representa 2% na distância contra 7% na presencial. Trabalha ou trabalhou em tempo integra correspondem a 65% na distância e 45% na presencial.
Quanto à escolaridade dos pais, somente 18% dos estudantes da distância têm cursos médio completo ou superior, sendo que este percentual sobe para 51% na presencial. No que diz respeito a ter realizado o ensino médio em escola privada, na distância são 15%, sendo mais do que o dobro (33%) na presencial.
Curiosamente, 28% dos estudantes da modalidade a distância afirmam ter como leitura predileta livros de auto-ajuda, contra menos da metade (13%) dos estudantes da presencial terem feito tal opção. Sem entrar no mérito específico, por certo, isso reflete distintas realidades e diversas preocupações. Na leitura de jornais, enquanto os estudantes a distância tendem mais para assuntos de política ou economia, os presenciais optam mais por cultura, arte e esportes.
Um dado observável acerca de metodologia de ensino é que mais de 50% dos estudantes a distância afirmaram que os planos de ensino contêm os elementos essenciais, enquanto menos de 17% dos presenciais assim responderam.
Os tempos de crise
Como afirmado anteriormente, a crise financeira em curso pode gerar ou não uma crise econômica global, com maior ou menor relevância, incidindo sobre o sistema por tempo breve ou duradouro.
Para esboçar compreender os reflexos da crise é preciso perceber o que está mudando na Educação como um todo. Assim, é fato que o tema Educação na sociedade brasileira assume, nos tempos atuais, a centralidade merecida. Não há crise que mude esta definição, mas as características com que essa prioridade se dá podem ter sim nuances importantes.
Por exemplo, há que se notar que o principal público que nos últimos anos estava, de forma diferenciada, começando a procurar com mais intensidade o ensino superior era aquele proveniente das classes C e D. Isso era verdadeiro tanto no setor público em expansão, notadamente as universidades federais, como no setor privado.
Entender como a crise implicará em novos contornos não é tarefa simples, ainda que necessária. Dois elementos são cruciais: 1.possível aumento do desemprego e maior competitividade pelos postos de trabalho, bem como alterações do mundo do trabalho e 2. necessidade de agregar mais tecnologias em todos os processos, inclusive educacionais.
Acerca do primeiro não há elementos disponíveis para uma previsão segura se ocorrerá e qual a intensidade de maior desemprego no Brasil, mas é certo que o ritmo de exigência de qualificação de mão de obra será intensificado, fazendo com que os que já estão trabalhando enxerguem, cada vez mais, na Educação o principal instrumento de manutenção ou obtenção de espaços no mundo do trabalho.
Por sinal, aqui não referimo-nos a necessariamente trabalho na forma de emprego tradicional, dado que uma mudança crucial em curso é exatamente no perfil de oportunidades. Cada vez menos empregos formais tradicionais e marcantemente mais dominância de iniciativas empreendedoras em espaços não convencionais ou previsíveis a priori.
Sobre o segundo elemento crucial, incorporação de tecnologias inovadoras, a crise atual só fará acelerar ainda mais a competitividade em todos os setores, especialmente na formação de recursos humanos, por agregar novos conteúdos tecnológicos. Qualquer hesitação, mais do que nunca, terá como conseqüência a exclusão, seja em termos do mercado nacional como internacional. Vale para quem forma pessoas, aplicando-se igualmente para quem contrata ou para quem se forma e busca, de forma autônoma e empreendedora, seus espaços na sociedade atual.
A partir desses ingredientes, novos perfis dos futuros profissionais, demandando novas metodologias e processos formativos, e a necessidade da incorporação de tecnologias inovadoras no campo do ensino superior, é que apresentamos a seguir algumas considerações.
A primeira novidade característica a ser observada na Educação nos tempos atuais é sua transcendência, no tempo e no espaço, exigindo repensar profundamente as formas com que ensinamos e as maneiras pelas quais aprendemos.
Surpreendente, como mostrado antes, que mais do que 40% de nossos estudantes universitários tenham mais de 25 anos, sendo que a maioria deles tem emprego, são casados, tem filhos e são oriundos de famílias de classe média, predominantemente baixa. Além disso, seus históricos escolares mostram que, muitas vezes, retornaram à vida escolar após interrupções e, normalmente, fazem cursos noturnos. Perfil bem distinto do caso clássico de antigamente, ou seja, jovem (18-24 anos), solteiro, sem necessidade de trabalhar enquanto estuda, sendo, em geral, oriundo das classes média ou média alta, recém-egresso do ensino médio e, como regra, estudando durante o dia.
Enfim, o estudante que chega à universidade, cada vez mais, não é somente aquele jovem, quase adolescente, que recentemente completou o ensino médio e quase precocemente definiu por esta ou aquela futura profissão. Majoritariamente teremos pessoas do mundo trabalho que largaram a escola há anos, casaram-se, tiveram filhos, e perceberam que as possibilidades de sucesso, em todas as dimensões desta palavra, estão associadas aos estudos permanentes. Tal maturidade também pode e está presente nos jovens, mas os adultos demandam mais das novas metodologias de ensino do que costuma estar presente nas tradicionais pedagogias.
Observar que, conforme expresso antes, mantido o ritmo atual, cruzaremos a próxima década com o primeiro perfil significativamente majoritário, muito embora boa parcela de nossas práticas e métodos de ensino-aprendizagem ainda suponha que dirigimo-nos predominantemente ao segundo caso.
O perfil adulto desse novo público, com suas características específicas, demanda naturalmente novas metodologias, abordagens didáticas diferenciadas que levem em conta processos ensino-aprendizagem próprios da andragogia que reconhece o andros (homem, em geral, no caso significando adulto, em grego), em contraposição aos métodos pedagógicos e a paidós (criança, em grego).
Uma das características principais das metodologias andragógicas é que nelas procura-se substituir o perfil do aluno tradicional pelo novo estudante. Enquanto o denominado bom aluno de antigamente estuda, especialmente, depois que o professor ensina em sala de aula (típico do ideal pedagógico), na andragogia esse modelo dá espaço a uma nova concepção, espacial e temporal, de estudante fortemente induzido a preparar-se para uma nova dinâmica de sala de aula.
Na abordagem inovadora, dos estudantes é exigido um preparo anterior à ocorrência dos momentos presenciais em sala de aula. Para tanto, além de outras inovações decorrentes, faz-se necessário que material didático seja disponibilizado de forma apropriada e nos momentos adequados.
Nesse novo contexto, a aula expositiva muda de característica, devendo o professor saber que fala para iniciados, priorizando reforço de conceitos já preliminarmente assimilados, promovendo atividades laboratoriais/experimentais, desafiando os estudantes para um debate mais profundo e participativo. Enfim, uma nova dinâmica de aula que exige muito mais docente, alterando seu papel, enaltecendo muito mais a figura do mestre.
Observar que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei de 1996, fruto de debates nos anos anteriores, expressa em um de seus artigos o incentivo ao desenvolvimento e a veiculação (como está redigido) de programas de ensino a distância em todos os níveis. A realidade atual é muito distinta de uma década e meia atrás, sendo que a divisão abrupta entre ensino presencial e a distância é hoje mais um mito do que realidade.
Sem prejuízo das peculiaridades da educação a distância, a verdade é que, ao longo do tempo, a modalidade presencial incorporou muitas das ferramentas típicas da modalidade a distância. Bem como, quando aplicada a determinados casos específicos, em geral curso de graduação, a modalidade a distância, sem incorrer no erro de modelo único, consolidou nos casos apropriados a necessidade de encontros presenciais periódicos em pólos de apoio presencial aparelhados com laboratórios didáticos, presença permanente de orientadores acadêmicos locais etc.
De fato, caminhamos, em passos largos, em direção a uma educação flexível, onde as boas características de ambas as modalidades poderão ser contempladas simultaneamente e de forma, muitas vezes, complementar. Assim, será facultado ao estudante, centro deste processo, optar a cada momento pelas características que lhe parecerem mais convenientes, seja numa disciplina, que conterá ferramentas de ambas, ou num curso composto de várias disciplinas, sendo que parte delas poderá, alternadamente, ter dominância presencial ou a distância.
Insisto sem prejuízo de determinadas disciplinas ou cursos manterem-se fiéis às peculiaridades estritas de cada modalidade, se assim convier. Importante nunca perder o foco nas necessidades dos estudantes e nas características almejadas de determinados profissionais. É o que importa, o restante são dissensos e preconceitos, de ambas as partes, que a história somente registrará, sem conseqüências.
Ensinar não ficou mais simples, ficou mais complexo, nem por isso menos desafiador ou estimulante. Não se trata de escolha, mas de reconhecer quem somos afinal, a quem nos dirigimos e o que, para o que e para quando pretendemos formar.
Fazem parte do passado as apoteóticas formaturas (ainda que elas ainda existam, são definitivamente ritos do passado) que encerravam ciclos escolares bem definidos e os alunos transformando-se, da noite para o dia, em formandos preparados para ingressar no mundo do trabalho. A realidade atual evidencia que o profissional terá que realizar ciclos infindos de permanentes formaturas, comandados pelas necessidades de seus campos específicos de atuação (sejam empregos tradicionais ou não), bem como para satisfazer suas complexas ambições e desejos pessoais com novos e desafiadores não-limites.
Por exemplo, até mesmo o mais tradicional ensino tecnológico profissionalizante depara-se atualmente com surpreendentes demandas cujas complexidades transcendem habilidades simples e mecânicas, exigindo desde formação propedêutica clássica combinada com a preparação específica vocacional. Tudo isso conjugado simultaneamente com a preparação para desafios imprevisíveis. As tarefas não foram substituídas, foram redimensionadas, sendo que os desafios e exigências anteriores permanecem, tendo sido acrescidos e alterados. Um novo profissional para um mundo mais complexo e menos previsível e mais exigente.
Se houve um tempo que formar um engenheiro significava basicamente transmitir um conhecimento razoavelmente consolidado, baseado em um conjunto de técnicas e procedimentos, acrescido de um saber básico conceitual fundamental, a realidade atual não dispensa as exigências anteriores, mas acresce preparar para o indizível, o que não pode ser previsto. A preparação para desafios extraordinários não tem receita pronta, mas certamente a prática para enfrentar o que não se sabe ainda está fortemente associada a ter sido exposto a situações inovadoras e desafiantes ao longo dos estudos.
Nas décadas anteriores a formação em graduação nas diversas carreiras do ensino superior consistia basicamente em dotar os futuros formandos de um conjunto razoavelmente bem definido de conhecimentos específicos próprios de cada profissão. Tais conhecimentos contemplavam uma série de técnicas, métodos, procedimentos e uma formação geral associada a elementos específicos de cada área. Como regra, esses profissionais assim preparados enfrentavam, com relativo sucesso, uns mais outros menos, os desafios de um mundo do trabalho em algum nível previsível e programável.
Além disso, na visão anterior, priorizava-se o desempenho individual, nas abordagens contemporâneas o trabalho em grupo ocupa espaço preferencial, estimulando trabalhar em equipe e o desenvolvimento coletivo. Nos dois casos não deve haver simetria entre professor e estudante. Só que no tradicional, o professor reduz-se à transmissão e cobrança de um conhecimento limitado; no segundo, a dimensão do mestre se dá na seleção dos melhores conteúdos e no encaminhamento de um processo formativo capaz de preparar futuros profissionais aptos a repetirem tais procedimentos, bem como imaginar novos, em quaisquer circunstâncias, quando assim forem exigidos no trato de conhecimentos em expansão acelerada e acessível ilimitadamente.
A andragogia [4] tem obrigatoriamente tal percepção, sem o que não cumpre os postulados básicos que lhe deram origem. Andragogia, de fato, não se aplicaria apenas à educação de adultos, mas a todos os processos educacionais que envolvem o estímulo ao auto-aprendizado conjugado com os métodos ditos mais tradicionais. Seria inaceitável se os métodos de ensino-aprendizagem continuassem replicando as metodologias do ensino básico, as quais mesmo para aquele nível são questionáveis.
Uma característica da abordagem andragógica é que se faz uso intensivo da facilitação da aprendizagem decorrente de características comportamentais próprias do aprendiz mais maduro, seja no que concerne a identificar suas necessidades ou no conjunto de objetivos específicos.
Em suma, se já era verdadeiro que o início deste novo milênio apresenta uma dinâmica acentuada, mudanças impressionantes em prazos muito curtos, com fortes impactos no mundo do trabalho, demandando um repensar urgente e profundo na concepção do que significa formar alguém para o mundo contemporâneo, a atual crise pode acelerar ainda mais tal necessidade.
A área de formação de recursos humanos é, entre todas, a mais atingida por tais alterações. Mesmo assim, na prática, as mudanças ainda que já presentes em nosso cenário educacional, têm sido ainda tímidas, incipientes, localizadas e demoradas, em especial nos processos típicos de ensino-aprendizagem.
Se pudéssemos denominar, genericamente, aquelas técnicas e procedimentos, próprios das diversas carreiras, de ofícios, diríamos que o mundo contemporâneo permanece exigindo aqueles conhecimentos com o desafio de exigir muito mais. Nem exclui aqueles saberes tradicionais, mas complementa, demandando muito mais e diferente.
Esse universo adicional refere-se a uma dimensão da educação permanente, de um aprender continuado, onde a consciência dessa característica e o estímulo à capacidade do aprender a aprender [5] aproximassem mais de elementos do universo das artes do que propriamente dos ofícios. Trata-se de preparar para o inédito, de dotar alguém do potencial para enfrentar problemas e tecnologias que não conhecemos, desafios que terminantemente não somos capazes de prever.
Com criatividade e posturas diferenciadas. Assim o novo, que demanda ser feito, está mais para preparar o artista do futuro, que também contemple o profissional tradicional de antigamente.
Ao contrário dos velhos ofícios, na visão das artes e dos ofícios integrados e conjugados não há receitas, há sim elementos motivadores, como, por exemplo, modificar o conceito de bom estudante. Na visão primeira, o bom aluno referia-se àquele capaz de, a partir do que foi ministrado em aula pelo professor, estudar em casa, e preparar-se para demonstrar esse conhecimento posteriormente. No segundo enfoque, a partir de disponibilizado com antecedência o material referente ao conteúdo, os momentos das aulas assumem outra dimensão, propiciando aprofundamento dos temas em uma dinâmica bastante distinta do copiar para estudar depois, refletindo sim o estudado antes para aprofundar durante.
O espaço de aprendizagem tipicamente delimitado pela escola espalha-se pelo não-espaço que contempla o ambiente doméstico, incluindo o do trabalho e o caminho de um para outro. De fato, estamos diante de um novo paradigma espaço-temporal, sem limites de qualquer natureza, nem no tempo como no espaço. Assim, sem prejuízo das especificidades do ambiente escolar, o ensino rompe barreiras e não aceita fronteiras, incorporando todos os possíveis e imagináveis nichos e a todos podemos proclamar espaços e tempos de aprendizagem.
O universo da andragogia, da educação permanente ao longo da vida, a inundação da aprendizagem ocupando a todos os possíveis espaços e a concepção de que todos seremos estudantes para sempre estão em perfeita coerência com a predição de Albert Einstein que um dia ousou definir que Educação é aquilo que fica quando esquecemos o que nos foi ensinado.
Ref.:
[1] http://www.inep.gov.br
[2] http://teiaeducacional.blogspot.com
[3] Ronaldo Mota. A Universidade Aberta do Brasil in Educação a Distância, O Estado da Arte, Org. F. M. Litto e M. Formiga, Cap. 40: 290-296, Pearson Prentice Hall, São Paulo, 2008;R. Mota e H. Chaves Filho. Educação transformadora e Inclusiva. Inclusão Social (IBICT), Brasília: ED. IBICT, 2005, v.1, n.1, p. 47; H. Chaves Filho e A. C. Dias, A gênese sócio-histórica da idéia de interação e interatividade. In: SANTOS, G. L. Tecnologias na educação e formação de professores. Brasília: Plano, 2003. p. 31-48;E. P. Nascimento, O fenômeno da exclusão social no Brasil. INED, n. 3, 1996.
[4] Nottingham Andragogy Group: v). Towards a Developmental Theory of Andragogy, Nottingham: University of Nottingham Department of Adult Education. 48 pages, 1983; Davenport. 'Is there any way out of the andragogy mess?' em M. Thorpe, R. Edwards and A. Hanson (eds.) Culture and Processes of Adult Learning, London1993; M. Knowles (1984). The Adult Learner: A Neglected Species (3rd Ed.). Houston, TX: Gulf Publishing; San James Fisher and Ronald Podeschi. "From Lindeman to Knowles: A Change in Vision", International Journal of Lifelong Education 8:4, pgs 345-53 (Oct-Dec 1989); M. Knowles, M. The Modern Practice of Adult Education. From pedagogy to andragogy (2nd edn). Englewood Cliffs: Prentice Hall/Cambridge. 400 pgs, 1980; M. Knowles et al. Andragogy in Action. Applying modern principles of adult education, San Francisco: Jossey Bass, 1984; Boud, D. et al. Reflection. Turning experience into learning, London: Kogan Page.; Cross, K. P. (1981) Adults as Learners, 1985; A. Hanson. 'The search for separate theories of adult learning: does anyone really need andragogy?' in Edwards, R., Hanson, A., and Raggatt, P. (eds.) Boundaries of Adult Learning. Adult Learners, Education and Training Vol. 1, 1996; B. Humphries. 'Adult learning in social work education: towards liberation or domestication'. Critical Social Policy No. 23 pp.4-21, 1988; J. R. Kidd. How Adults Learn (3rd. edn.), Englewood Cliffs, N.J.:Prentice Hall Regents, 1978; H. M. Kliebart. The Struggle for the American Curriculum 1893-1958, New York: Routledge, 1987; Joseph and Judith Davenport, "Knowles or Lindeman: Would the Real Father of American Andragogy Please Stand Up," Lifelong Learning. 9:3, pgs 4-5 (November 1985); M. Tennant. Psychology and Adult Learning, London: Routledge, 1988; S. D. Brookfield. Understanding and Facilitating Adult Learning. A comprehensive analysis of principles and effective practice, Milton Keynes: Open University Press, 1986; Mark Tennant. "An Evaluation of Knowles's Theory of Adult Learning," International Journal of Lifelong Education. 5:2, pgs 113-122, 1996; P. Jarvis. 'Malcolm Knowles' em P. Jarvis (ed.) Twentieth Century Thinkers in Adult Education, London: Croom Helm, 1987; P. Jarvis. The Sociology of Adult and Continuing Education, Beckenham: Croom Helm, 1985;
[5] Fred S. Keller. Goodbye, teacher ... J. of Applied Behavioral Analysis, 1(1):79-89, Spring 1968; J. Gilmour Sherman and Robert S. Ruskin. The Personalized System of Instruction. Educational Technology Publications, Englewood Cliffs, NJ, 1978. Vol. 13 in The Instructional Design Library, series ed. Danny G. Langdon; J. Gilmour Sherman, Robert S. Ruskin, and George B. Semb, editors. The Personalized System of Instruction: 48 seminal papers. TRI Publications, Lawrence, Kansas, 1982.
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