domingo, 9 de janeiro de 2011

Universidades: de Humboldt ao Mundo da Inovação

As universidades são definidas como sendo instituições pluridisciplinares associadas ao domínio e cultivo do saber humano que visam â formação de quadros de nível superior. No Brasil, a Constituição Federal, no seu artigo 207, além de garantir autonomia, reafirma o conceito tradicional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Embora milenar, tendo suas origens na Idade Média, a chamada universidade moderna tem como referência a Universidade de Berlim, criada em 1810 por Wilhelm Humboldt, fruto da efervescência libertária na Europa Iluminista pós-Revolução Francesa e influenciada por Goethe, Schiller e Kant. A novidade da universidade humboldtiana é a incorporação da atividade de pesquisa à prática pedagógica.

Uma alteração, incluindo como missão da universidade o desenvolvimento econômico regional, ocorre com a criação do Massachusetts Institute of Technology-MIT, nos Estados Unidos, em 1862. Posteriormente, essa nova dimensão influenciou outras instituições, inclusive européias e asiáticas. A universidade brasileira, por sua vez, passou quase imune por essa última influência, tendo permanecido sempre de alma pretensamente humboldtiana.

Se os 200 anos que nos separam da criação da Universidade de Berlim estão recheados de mudanças, as próximas décadas nos reservam mudanças muito mais drásticas e rápidas. Entre as várias novidades em curso, inovação chama a atenção pela centralidade que ocupa no presente e mais intensamente terá ainda no futuro.

Inovação compreende um produto ou processo novo, bem como a introdução de uma qualidade ou funcionalidade inédita. Assim, inovação implica em tecnologia e máquinas, mas vai além, contemplando também melhorias na gestão e novos modelos de negócios.

Como ficam as universidades neste novo contexto? Nas últimas décadas, em sua maioria, elas têm se caracterizado pelas funções educativas clássicas e secundariamente pelas pesquisas convencionais. As universidades do presente e do futuro tendem a se transformar expressivamente, agregando às suas missões tradicionais de ensino e pesquisa, servir também como centros indutores de inovação.

Esses novos ingredientes alteram os temas selecionados para geração de conhecimentos, a forma de produzi-los e afetam também as metodologias de ensino. Até recentemente, a figura típica do docente investigador tem sido de um competente profissional que na sua linha específica de pesquisa tem por meta explorar os limites do estado da arte, tendo como referência única de sucesso as publicações em conceituadas revistas internacionais. Muitas vezes trabalhando isoladamente, às vezes com um estudante de pós-graduação e muito raramente em equipe.

A partir desta década, pela natureza complexa dos problemas a serem abordados, são inviáveis, em geral, as abordagens do ponto de vista de uma linha exclusiva de pesquisa, demandando, na maioria dos casos, a formação de equipes multidisciplinares e o trabalho em equipe por meio de redes de pesquisadores. Na universidade pós-humboldtiana, a demanda social passa a ser, gradativamente, o elemento central que define prioritariamente as áreas de pesquisa em curso, respeitadas as exceções, e modula tanto a forma de pesquisar como de transmitir conhecimentos.

A produção científica nacional tem crescendo a um ritmo muito superior à média mundial e está assentada, principalmente, em duas importantes variáveis, em ordem de importância: 1.a muito bem estruturada e avaliada pós-graduação (CAPES), e 2.o sistema de bolsas de produtividade do CNPq. Ambas variáveis têm como elemento de referência principal (não único) a publicação de artigos em revistas especializadas.

No entanto, o sucesso na produção de conhecimento no Brasil não esconde a baixa capacidade de transformar esse conhecimento em riqueza que impacte no desenvolvimento econômico e social. A título de marcar a discrepância, enquanto o Brasil responde por 2,7% da produção científica mundial, em termos de registros internacionais de patentes somos responsáveis por menos de 0,1%. Mesmo não sendo registros de patentes o único, e não necessariamente o melhor, indicador, os números são tão díspares que certamente evidenciam algo.

A nova realidade em curso alterará a prática da pesquisa acadêmica, seja na motivação dos temas escolhidos, seja na forma de produzir os conteúdos e, não menos importante, nos processos avaliativos acoplados. Assim, os comitês de áreas de instituições como CAPES e CNPq ao longo dos próximos anos serão demandados a repensar pontuações de trabalhos em áreas que não sejam necessariamente disciplinares ou que aparentemente as conexões não sejam exclusivas com a área de denominação disciplinar que caracteriza o comitê especifico. Além disso, aprender a dimensionar e contabilizar os eventuais impactos dos resultados das pesquisas no setor produtivo, além dos tradicionais e diretos parâmetros de impacto das revistas de divulgação, não será tarefa fácil, mas imprescindível.

A palavra extensão redimensiona-se, abandonando qualquer pretensão da velha extensão enquanto falsa concepção de “levar” o conhecimento produzido para a sociedade. A sociedade, por meio de suas demandas, ajuda a moldar e definir com mais intensidade o conhecimento a ser desenvolvido, numa via de mão dupla na qual estamos pouco acostumados. Mesmo a visão empreendedora tradicional se recicla, dando espaço ao empreendedorismo coletivo que marcará as próximas etapas de desenvolvimento. Neste contexto, destaque-se o papel relevante das incubadoras de empresas e dos parques tecnológicos como elementos diretamente associados tanto à produção de conhecimentos como acoplados aos percursos acadêmicos dos cursos de graduação e dos programas de pós-graduação.

Em suma, na universidade pós-humboldtiana, a forma com que o conhecimento é desenvolvido, difundido e aplicado interfere não só na riqueza cultural da sociedade, mas também na economia e na competitividade global. Tudo isso com uma ênfase muito mais acentuada do que costumava ser anteriormente. Demanda social passa a ser, gradativamente, o elemento central que define prioritariamente as áreas das pesquisas em curso e modula a forma de pesquisar bem como de transmitir conhecimento.