sábado, 29 de outubro de 2011




INOVAÇÃO E A COBRA QUE MORDEU O RABO




Inovação no sentido que se aplica atualmente refere-se ao desenvolvimento de um novo produto ou processo, bem como à funcionalidade inédita de um produto já existente, que atende a uma demanda específica do público consumidor ou que gera nichos previamente inexistentes de mercado. Inovação está profundamente conectada à aplicação de novos conhecimentos associados ao desenvolvimento de ciência e tecnologia e se constitui, cada vez mais, no principal elemento propulsor da economia mundial e diferenciador competitivo essencial entre regiões e países.


Tradicionalmente, assume-se que as ciências pura e aplicada podem engendrar tecnologias, as quais, a depender da capacidade de absorção do mercado e da escala do público consumidor, podem se caracterizar como inovação. Esta cadeia linear por muito tempo distanciou a livre e descompromissada produção do conhecimento da extremidade oposta vinculadas às demandas do mercado consumidor.


A realidade recente impõe que a forma de produzir conhecimentos e de transmiti-los tem se alterado radical e profundamente. Ciência historicamente se assenta na liberdade individual de cátedra e em linhas de pesquisa que caracterizavam o pesquisador clássico, cuja função primeira, isoladamente ou em conjunto com seus estudantes e raros parceiros, tem sido alargar as fronteiras indo além do estado da arte. Em geral, a principal motivação dos temas são os desafios inerentes à subárea, sendo as eventuais aplicações futuras definidas em outros contextos e em tempos de escalas diversas, a depender da linha de pesquisa específica.


O Brasil demonstrou nas últimas décadas uma capacidade extraordinária em produzir conhecimentos dentro da estratégia acima, tendo consolidado uma pós-graduação de qualidade e uma produção científica crescente em níveis bem acima da média mundial em quase todas as áreas. Demonstramos capacidade em produzir conhecimento, por outro lado, atestamos até aqui uma notável fragilidade em transferir conhecimento ao setor produtivo, tendo como exceções destacáveis a área dos agronegócios e raros setores industriais bem identificados.


Para agravar o quadro, os balizadores com que se produz ciência têm se alterado de tal forma que uma nova dinâmica impõe que as demandas da sociedade passam a ser elementos definidores, ainda que não únicos, dos principais programas de pesquisa. Ou seja, aquilo que até recentemente tinha peso complementar, passa a ter preponderância inédita. Da pesquisa quase individual passamos rapidamente às imprescindíveis redes de pesquisa, das linhas de pesquisa quase isoladas estamos migrando para programas de natureza multidisciplinar motivados por demandas em geral complexas, portanto, intratáveis à luz de linhas de pesquisa ou indivíduos isolados, exigindo múltiplos olhares e abordagens de equipes integradas oriundas de diversas áreas.


Em outras palavras, os movimentos acima podem ser descritos via substituição gradativa da cadeia linear, que impunha uma distância entre a ciência e a inovação colocadas em extremidades opostas, por um círculo completo contemplando ciência, tecnologia e inovação, onde as demandas da inovação influenciam e de certa forma definem, a depender da área específica do conhecimento, os rumos da ciência. É a cabeça da cobra que mordeu o rabo.


Desta reestruturação resultam novos estímulos a que o pesquisador, adicionalmente à sua atuação clássica em universidades e centros de pesquisa, explore espaços quase virgens no caso brasileiro em institutos tecnológicos ou setores de pesquisa e desenvolvimento de empresas. Espaços que por sua vez influenciam, por meio da interação com as demandas, os programas de pesquisa e os temas selecionados para as orientações de seus estudantes.


Além de repensarmos profundamente os caminhos pelos quais produzimos ciência, as formas pelas quais transmitimos conhecimento demandam um repensar profundo a partir da questão de como formar profissionais aptos e preparados para um cenário onde inovação passará a exercer uma centralidade inédita. Nossas metodologias usuais são caracterizadas pela prática de professores que ministram conhecimentos pressupondo aprendizes que nada sabem da matéria específica até então, são pedagogias baseadas no estudar somente após a aula e na prática de conferir posteriormente se o aluno aprendeu ou não.


Tais práticas são essencialmente conflitantes com o mundo da educação permanente e são incongruentes com a revolução educacional em curso caracterizada por uma realidade onde conhecimentos são cada vez mais acessíveis, instantaneamente disponibilizados e gratuitamente distribuídos. Neste novo cenário, estimular os processos auto-instrutivos em seus limites superiores, explorar a capacidade dos estudantes em estudar antes das aulas, as quais passam a ter uma dinâmica de outra qualidade e natureza, são ingredientes indispensáveis aos processos formativos de cidadãos compatíveis com o mundo da inovação.



(A figura é Ourobos, símbolo representado pela serpente mordendo o próprio rabo, respresentando também a eternidade).