quarta-feira, 17 de dezembro de 2008



Das Artes e dos Ofícios da Educação Superior


Ronaldo Mota




Nas décadas anteriores a formação em graduação nas diversas carreiras do ensino superior consistia basicamente em dotar os futuros formandos de um conjunto razoavelmente bem definido de conhecimentos específicos próprios de cada profissão. Tais conhecimentos contemplavam uma série de técnicas, métodos, procedimentos e uma formação geral associada a elementos específicos de cada área. Esses profissionais, assim preparados, enfrentavam, com relativo sucesso, uns mais outros menos, os desafios de um mundo do trabalho em algum nível previsível e programável.

O início deste novo milênio apresenta uma dinâmica acentuada, mudanças impressionantes em prazos muito curtos, com fortes impactos no mundo do trabalho, demandando um repensar urgente e profundo na concepção do que significa formar alguém para o mundo contemporâneo. A área de formação de recursos humanos é, entre todos os setores, a mais atingida por tais alterações. Mesmo assim, na prática, as mudanças ainda que já presentes em nosso cenário educacional, têm sido ainda tímidas, incipientes, localizadas e demoradas, em especial nos processos típicos de ensino-aprendizagem.

Se pudéssemos denominar, genericamente, aquelas técnicas e procedimentos, próprios das diversas carreiras, de ofícios, diríamos que o mundo contemporâneo permanece exigindo aqueles conhecimentos com o desafio de exigir muito mais. Nem exclui aqueles saberes tradicionais, mas complementa, demandando muito mais e diferente. Este universo adicional refere-se também a uma dimensão da educação permanente, de um aprender continuado, onde a consciência dessa característica e o estímulo à capacidade do aprender a aprender aproximassem-se mais de elementos do universo das artes do que propriamente dos ofícios. Trata-se de preparar para o inédito, de dotar alguém do potencial para enfrentar problemas e tecnologias que não conhecemos e desafios que terminantemente não somos capazes de prever. Com criatividade e posturas diferenciadas. Assim o novo, que demanda ser feito, está mais para preparar o artista do futuro, que também contemple o profissional tradicional de antigamente.

Ao contrário dos velhos ofícios, na visão das artes e dos ofícios integrados e conjugados não há receitas, há sim elementos motivadores, como, por exemplo, modificar o conceito de bom estudante. Na visão primeira, o bom aluno referia-se àquele capaz de, a partir do que foi ministrado em sala de aula, pelo professor, estudar em casa, e preparar-se para demonstrar esse conhecimento posteriormente. No segundo enfoque, a partir de disponibilizado com antecedência o material referente ao conteúdo, os momentos das aulas assumem uma outra dimensão, propiciando aprofundamento dos temas em uma dinâmica bastante distinta do copiar para estudar depois, refletindo sim o estudado antes para aprofundar durante.

Além disso, na visão anterior, priorizava-se o desempenho individual, no segundo o trabalho em grupo, formando pessoas capazes de trabalhar em equipe e desenvolverem-se coletivamente. Nos dois casos não deve haver simetria entre professor e estudante. Só que no tradicional, o professor reduz-se à transmissão e cobrança de um conhecimento limitado; no segundo, a dimensão do mestre se dá na seleção dos melhores conteúdos e no encaminhamento de um processo formativo capaz de preparar futuros profissionais, aptos a repetirem tais procedimentos em quaisquer circunstâncias, quando assim forem exigidos no trato de conhecimentos em expansão acelerada e acessível ilimitadamente.

O estudante que chega à universidade, cada vez mais, não é somente aquele jovem, quase adolescente, que recentemente completou o ensino médio e quase precocemente definiu por esta ou aquela futura profissão. Majoritariamente teremos pessoas do mundo trabalho que largaram a escola há anos, casaram-se, tiveram filhos, e perceberam que as possibilidades de sucesso, em todas as dimensões desta palavra, estão associadas aos estudos permanentes. Tal maturidade também pode e está presente nos jovens, mas os adultos demandam mais da andragogia do que costuma estar presente nas tradicionais pedagogias.

Do ponto de vista etimológico, a palavra andragogia é composta pelo prefixo andro, que significa homem, no sentido adulto, reunida a gogia, que significa condução, acompanhamento, no sentido educativo. Em princípio, andragogia poderia ser contrastada com pedagogia, construído a partir de pedo, derivado de criança. As pretensas e bastante complexas diferenças entre andragogia e pedagogia têm sido motivo de um profícuo e inesgotável debate.

Andragogia, de fato, não se aplicaria apenas à educação de adultos, mas a todos os processos educacionais que envolvem o estímulo ao auto-aprendizado conjugado com os métodos ditos mais tradicionais. Uma característica da abordagem andragógica é que se faz uso intensivo da facilitação da aprendizagem decorrente de características comportamentais próprias do aprendiz mais maduro, seja no que concerne a identificar suas necessidades ou no conjunto de objetivos específicos.

Os dados do INEP apontam que já são mais de 40% das matrículas no ensino superior de estudantes com mais de 25 anos. No setor privado já é a maioria e com a expansão nas universidades federias, especialmente através de cursos noturnos, cruzaremos para a próxima década com a maioria dos estudantes neste novo perfil. Seria inaceitável se os as estruturas curriculares e os métodos de ensino-aprendizagem continuassem replicando as metodologias do ensino básico, as quais mesmo para aquele nível são questionáveis.

Fato é que o sistema de educação superior brasileiro, como regra, conserva ainda modelos de formação acadêmica e profissional superados em muitos aspectos, tendo prevalecido em tais modelos uma concepção fragmentada do conhecimento, que separava totalmente o artesão/profissional do artista, resultante de reformas universitárias das décadas de 1960-1970.

A arquitetura acadêmica dominante exclui, por exemplo, a educação artística, científica e humanística, nunca tendo sido possível conjugar simultânea e adequadamente as artes e os ofícios.

Na graduação temos um sistema de títulos e denominações correlatas, caracterizado por inconsistências e nível inadequado de padronização. Os modelos acadêmicos vigentes, salvo exceções, incorporam currículos de graduação estreitos e rígidos, ainda calcados no viés dominantemente disciplinar, caracterizado, em geral, por uma não integração entre a graduação e a pós-graduação e por um divórcio entre transmissão e produção do conhecimento.

Atualmente estão em curso várias iniciativas visando construir inovadoras estruturas acadêmicas que favoreçam e estimulem a integração de competências específicas, incluindo profissionais cujos treinos sejam aprimorados pelo rigor de disciplinas formais, cientistas empíricos cuja educação resultará do intenso uso de novas ferramentas tecnológicas e, por fim, artistas que manipularão ferramentas com a habilidade daqueles que incorporam materiais inovadores em seus trabalhos.

A produção de conhecimentos, por sua vez, é também um fruto da conjugação dos ofícios e das artes. Isoladamente, há muita dificuldade em produzir conhecimentos e inovações realmente originais e de impacto no sistema produtivo do mundo contemporâneo.

Como já afirmado anteriormente, um país cresce quando é capaz de absorver conhecimentos, mas se torna forte, de verdade, quando é capaz de produzir conhecimentos. É a partir dessas da adoção dessas novas concepções, seja na transmissão como na produção do conhecimento, que se permitirá ao país uma inserção competitiva e soberana no mundo.

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