segunda-feira, 22 de dezembro de 2008



CRIATIVIDADE, EDUCAÇÃO E O PAPEL DO DOCENTE

Ronaldo Mota




A civilização Micênica, em torno do século XVII a.C., constituiu-se no primeiro império do mundo ocidental em função de controlar o bronze e, a partir dele, obter ferramentas para uma agricultura, que gerava excedentes, e armas de guerra, que permitiram escravizar seus vizinhos. Foram, posteriormente, derrubados pelos Dórios, no século XII a.C., que, por sua vez, dominavam o ferro, superior ao bronze naquelas finalidades.

Mais recentemente, houve um período da história da humanidade onde o país que controlasse as colônias, conseqüentemente o fluxo de matérias primas, transformava-se numa nação dominante. Em seguida, a prioridade esteve associada ao controle do processo industrial e da apropriada manipulação da ciência e, especialmente, da tecnologia dela decorrente.

Considerar o passado ajuda a entender o presente e ousar prever o futuro. Temos muito poucos elementos para saber o que será, nos próximos anos, determinante na relação entre países e entre grupos sociais dentro de um mesmo país. No entanto, se tivéssemos que apostar, em uma única palavra, para definir o que está por vir como determinante, provavelmente, a palavra-chave seria criatividade.

A dificuldade, no entanto, começa por não termos uma definição precisa do que seja afinal criatividade. A mais abrangente abordagem trata do tema como estando associada, genericamente, à ação do indivíduo ou de um grupo, os quais, usando os símbolos e conceitos de um dado domínio, introduzem uma nova idéia e essa novidade é selecionada pelo coletivo como relevante para o desenvolvimento do próprio domínio.

Criatividade está também associada a processos de mudança, de desenvolvimento e de evolução na organização da vida subjetiva, através da manipulação de símbolos ou objetos externos para produzir um evento incomum para nós ou para nosso meio.

Seria mais adequado afirmar que dentro do amplo universo de conceitos sobre criatividade, eles se assemelham e muitas vezes se complementam. Os diversos conceitos estão ligados a estilos de pensamento, características de personalidade, valores e motivações pessoais ou coletivas, bem como a fatores de ordem social e normas previamente estabelecidas.

Portanto, criatividade está associada a variáveis diversas, contendo elementos de natureza complexa, de características multifacetadas, envolvendo uma interação dinâmica entre elementos relativos à pessoa, o coletivo, o ambiente, valores e normas culturais. A criatividade contempla associações e combinações inovadoras de planos, modelos, sentimentos, experiências e fatos.

Etimologicamente, criatividade deriva de criar, do latim creare, que significa dar existência ou estabelecer relações até então não configuradas no universo do indivíduo ou do coletivo.

Educacionalmente é preciso estabelecer que criatividade não é privilégio de selecionados, podendo e devendo ser desenvolvida através de determinadas condições que colaboram com suas manifestações ou com a amplificação das mesmas.

Mesmo não excluindo ninguém de potencial criativo, é certo também que alguns indivíduos já apresentam, naturalmente, maiores evidências desse padrão de comportamento curioso, investigativo e voltado à experimentação, tanto em suas áreas de interesse ou em terrenos nem tão familiares, envolvendo outras culturas, tecnologias, idiomas etc.

Acredita-se também que o potencial criativo tenha início na infância. Quando as crianças têm suas iniciativas criativas elogiadas e incentivadas pelos pais, tendem a ser adultos mais ousados, propensos a agir de forma inovadora. O inverso também parece ser verdadeiro.

Enfim, embora não saibamos nenhuma regra pré-estabelecida, podemos elencar fatores que podem ser positivos ou negativos (estimulam ou inibem), os quais dependem das características presentes na organização e nas concepções e nas posturas de seus gestores.

A grande novidade que enfrentaremos, em futuro bem próximo, será menos provar a extrema relevância da criatividade, mas sim a convicção que se trata de algo que podemos despertar e estimular ou, alternativamente, reprimir, inibir e sufocar. Em especial, perceberemos, cada vez mais, que Educação tem tudo a ver com criatividade.

Assim, no campo educacional, a criatividade está relacionada com a capacidade de absorver, transformar e produzir conhecimento, cabendo à escola garantir as necessidades fundamentais e propiciar o ambiente adequado para que o estudante seja estimulado a criar, a partir do que já foi aprendido, lidando com o novo e despertando valores positivos associados à invenção em geral e à descoberta de conhecimentos originais.

Partindo do pressuposto que criatividade é uma capacidade que pode ser estimulada, ela esta está relacionada de várias formas aos atos de ensinar e de aprender, através de suas metodologias, no sentido amplo do termo.

No meio escolar, se o educando estiver inserido num ambiente acolhedor e prazeroso, estimulador da inventividade e do apreço pelo novo, certamente isso contribuirá (pelo menos haverá uma chance maior) para que ele seja um cidadão e um profissional mais criativo nas etapas posteriores.

Fundamental é estar exposto à criatividade, ou seja, propiciar oportunidades e incentivar a busca de novas experiências, motivando testar hipóteses e, principalmente, estabelecendo novas formas de diálogos. Este processo fica mais rico ainda quando realizado com pessoas de outras formações, com diversos tipos de experiências e provenientes de diferentes culturas.

A dificuldade é que sabemos muito pouco acerca desse suposto ambiente acolhedor e estimulador da criatividade. Curiosamente, sabemos muito mais sobre como inibi-la, como bloquear inventividades e como dar espaço ao desprezo e ao preconceito contra o novo. São muitos os exemplos desses obstáculos, incluindo ambientes escolares desmotivadores, metodologias ultrapassadas e desconectadas da realidade do educando, viés autoritário e repressor etc.

Costuma-se dizer que saber o que inibe criatividade não é desimportante, é muito importante. Ao identificarmos os elementos que cerceiam inovações, temos metade do caminho cumprido em direção a gerar os ingredientes que despertam a inventividade e deixam fluir a capacidade de criação.

Certamente o papel do professor no contexto escolar é crucial nessa mediação de processos ensino-aprendizagem que tenham como preocupação central desinibir aspectos associados à criação. Cabe especialmente (não exclusivamente) ao docente a difícil identificação dos fatores influenciadores (estimulantes e inibidores) da inventividade no ambiente educacional.

Adams [1], analisando aspectos da criatividade, caracteriza quatro tipos de fatores ou barreiras, potencialmente bloqueadores da inventividade, estando esses fatores associados a: a) emocionais, quando as emoções e sentimentos agem sobre a capacidade de pensar, de comunicar as idéias e opiniões, com receios diante da possibilidade de fracasso; b) culturais e ambientais, quando as idéias e concepções de uma determinada sociedade, cultura ou grupo atuam de forma a inibir a quebra de paradigmas das próprias crenças, dificultando a aceitação a um novo modo de pensar; c) de intelecto e de expressão, que interferem diretamente na formulação de idéias, gerando inibição e desconforto na forma de expô-las com clareza e convicção; d) de percepção, onde os obstáculos impedem compreender problemas ou as informações necessárias para a sua resolução.

As barreiras emocionais estão associadas às dificuldades do estudante em comunicar suas idéias por medo ou receio de uma possível rejeição ou de um eventual fracasso. Há que se criar, especialmente no espaço da sala de aula, um ambiente que valorize também o erro, tal qual o acerto, como elementos integrantes do mesmo processo de aprendizagem. O fracasso, ou aquilo que assim é entendido, deve ser lido como ingredientes motivadores na construção do processo dinâmico seguinte, tratando a superação com naturalidade. Não é simples essa construção, mas é fundamental que se persiga esta prática.

Sobre os bloqueios culturais e ambientais, geradas por pressões sociais, culturais ou de um determinado grupo a que pertencemos, podem tornar não simples a aceitação de idéias diferentes ou divergentes daquelas tradicionalmente dominantes.

Bom destacar que se costuma associar o fato de maior diversidade de ritmos musicais a espaços mais propícios para o estímulo da criatividade. Haveria, em tese, uma correlação entre diversidade musical, seja ela produzida, praticada ou simplesmente ouvida, e ambientes criativos. Quanto mais ritmos musicais um grupo social, uma região ou um país dominam, praticam e divulgam, mais criativos tendem a ser seus habitantes ou componentes. Assim, ambientes que se caracterizam pela pluralidade, flexibilidade, diversidade e tolerância são, em princípio, mais propícios a derrubarem barreiras culturais e ambientais.

Na escola, o professor, que além do conhecimento específico que o caracteriza, tem também um papel de orientador e facilitador, e deve estar atento a todas as situações. O ambiente escolar é composto por pessoas multiculturais e, felizmente, bastante diferentes entre si. Os preconceitos e pré-julgamentos devem ser pauta de discussões entre o corpo docente e o corpo discente para que todos possam compreender e respeitar as diferenças existentes dentro de qualquer grupo formado por pessoas. Ser diferente é normal.

Outro fator apontado por Adams são as barreiras intelectuais. Essas barreiras bloqueiam a criatividade quando a escolha de (ou falta de) linguagens ou de estratégias para solucionar problemas acaba prejudicando, pois o indivíduo acaba desmotivado em buscar criativamente alternativas para transpor os problemas apresentados.

Para que o desbloqueio intelectual, pode o docente trabalhar possíveis sistematizações de solução de problemas (existem várias), destacando os estágios clássicos envolvendo primeiramente a percepção do problema, a teorização do mesmo, o estímulo à inspiração sobre os possíveis caminhos, e, por fim, converter a idéia mental em idéia prática na busca da solução do problema proposto.

Dois elementos complementares contribuem para quebrar barreiras intelectuais. O estímulo à boa prática da expressão escrita, bem como da expressão oral, as quais compõem elementos determinantes no sucesso de qualquer profissional na realidade atual. Segundo, agrega-se a isso a capacidade de desenvolver-se e produzir em equipe, aspecto vital nas ações contemporâneas do mundo do trabalho. São elementos conectados, sendo que o trabalho em equipe é mecanismo fortemente estimulador da capacidade de comunicação, por sua vez as habilitadas de comunicação favorecem sobremaneira o trabalho em equipe.

Quanto ao bloqueio de percepção, um fator adicional que pode acarretar prejuízo é o excesso de informações, ou, especificamente, às vezes, de aulas expositivas, que, ao invés de clarear a respeito do que deve ser feito, acaba tendo um efeito contrário, gerando aquilo que Adams denominou “limites imaginários”.

Às vezes, os estudantes não conseguem avançar devido à ilusão da impossibilidade ou mesmo duvidam da capacidade própria de criar. Muito importante que o professor perceba, mais do que ninguém, que quando as pessoas sabem que suas ações serão valorizadas, parecem tender a criar mais. Quando sentem que não estão sob ameaça (de ser reprovados injustamente ou de cair no ridículo, por exemplo), os estudantes perdem o medo de inovar e revelam melhor suas habilidades criativas.

Criatividade é o elemento mais importante dos processos educacionais do futuro e do presente. O fato de seu conceito ser complexo não pode e não deve minimizar sua relevância, devendo estar permanentemente associado, como fator principal, inerente em todas estratégias educacionais compatíveis com a realidade do mundo atual.

[1] ADAMS, J.L. Conceptual Blockbusting: A guide to better ideas. Perseus Books: Massachusetts. 1986.

Um comentário:

  1. Olá Ronaldo,

    Parabéns pelo artigo! Achei muito boa sua exposição e concordo plenamente que a Criatividade é extremamente importante nos processos de ensino e aprendizagem. Mas existe um elemento que me intriga muito atualmente e com o qual convivo diariamente que é o seguinte: na minha percepção a maior falta de criatividade se encontra exatamente no docente , que não consegue criar condições propicias ao surgimento da "Criatividade" uma vez que ele mesmo é bloqueado e arraigado à sua formação. Eu acredito que atualmente a maior parte dos aprendizes, especialmente aqueles que tiveram contato com as novas tecnologias e que se comunicam e aprendem de uma forma nova ,possuem muito mais ferramentas e possibilidades de criar o novo do que que seus professores, que muitas vezes os inibem com suas próprias limitações e bloqueios.Enfim, acho que essas considerações somente reforçam a importância da "Criatividade" não somente para nossos alunos como também para nosso professores, que devem se abrir para o novo,vencendo suas barreiras culturais e intelectuais.
    Um abraço,
    Itana.

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